Jubileu Monástico do pe. Luís Nunes

Foi esta a aventura íntima do Pe. Luís Nunes, nascido em S. Pedro de Raimonda-Paços de Ferreira, capital do móvel e do trabalho. Aqui deu o seu primeiro grito de esperança, a 16 de Fevereiro de 1944, de família numerosa, suou os primeiros sóis, tiritou as primeiras geadas, refrescou-se com as primeiras águas em nascentes cristalinas, que descem dos montes para abundantes prados e vinhedos desta fertilíssima aldeia rural. Seus pais trabalhavam de sol a sol, em via-sacra de amor, conferindo a seus filhos a lhaneza de carácter e a honestidade de costumes.
Pe. Luís, sempre dominado pelo ar fino, elegante e cheiroso dos lameiros e pinheirais da sua meninice, concluída a instrução primária, rumou até à vizinha Escola Claustral do Mosteiro de Singeverga, continuando a ser educado no mesmo quadro campesino. Cresceu e fez-se homem ao som de cantigas ao desafio dos nossos trabalhadores, das desfolhadas nocturnas das nossas eiras e da sã alegria das nossas festas. Amante da natureza, engrandeceu sua alma a contemplar a beleza das orquídeas, azálias, camélias e glicínias dos nossos quintais e fez-se monge com sua primeira profissão, a 27 de Setembro de 1966. Estudou filosofia e teologia. Frequentemente, com certeza, subia ao alto do monte de Penouços, alcantilado sobre a penedia, atraído pela grandeza de montes e montes, do eterno silêncio das suas encostas e do mistério da profundeza dos seus vales, marcos geodésicos que lhe balizaram a alma! Ordenou-se sacerdote a 12 de Julho de 1972.
A situação geográfica de Singeverga, no centro dum semi-anfiteatro montanhoso, com ressonâncias musicais de salmos do rei David, atraindo, desde cedo, povos das mais remotas culturas, como o provam os castros e mosteiros ainda existentes, era terreno verdadeiramente privilegiado para Pe. Luís desenvolver suas capacidades no campo da agricultura, matemática, economia e computação, talvez a sua grande paixão.
Foi sempre, toda a sua vida monástica, o tal “irmão útil” de que fala a nossa Regra de S. Bento. D. Teodoro Monteiro, abade de 1969 a 1977, foi busca-lo, ainda muito jovem, à Escola Claustral, onde desempenhava as funções de prefeito e professor de matemática e entronizou-o no dificílimo cargo de “celerário” do Mosteiro e responsável de toda a casa agrícola, cargo que ainda hoje ocupa, aos 72 anos de idade, cheio de frescura, e alegria de bem servir os irmãos, interrompido apenas dois anos, 1987-1988, em que frequentou o Colégio Pontifício de Santo Anselmo em Roma, cursando estudos monásticos.

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O momento alto da sua existência teria que chegar um dia. Foi no dia 27 de Setembro passado, na missa conventual do meio-dia, que Pe. Luís, subprior do Mosteiro, de rosto terroso e telúrico, causticado pelo rigor do trabalho agreste nos campos, rodeado por toda a sua comunidade de Singeverga, Lamego e Porto, e os seus trabalhadores da casa agrícola, que das uvas fazem néctar da mesa e do Altar, na simplicidade que o caracteriza, renovou os seus votos monásticos, cinquenta anos depois, nas mãos de D. Bernardino Costa, Abade do Mosteiro. Terminou a cerimónia, cantando, de braços abertos para o Céu, ao som dos acordes do órgão, a sua oblação a Deus: “ Recebei-me, Senhor, segundo a vossa Palavra e viverei! E não me confundais, na minha esperança.” Imagem emocionante!
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Depois, os concelebrantes, já sentados, exalando das suas vestes um cheirinho “de mirra, aloés e cássia”, entoavam: “ toda a minha vida louvarei o Senhor, toda a minha vida louvarei o Senhor…”Da boca do Pe. Luís, à maneira medieval, de cabeleira farta e grisalha, barba intonsa e bem tratada, adivinhavam-se balbucios em surdina: Que acção de graças me apetece! Nesta manhã de Outono, num silêncio morno, dos vinhedos uma nesga de infinito desce! Tanto ouropel, num regresso de sementeira! Oração simples como uma ave a voar, no Mosteiro, cinquenta anos a trabalhar, Beneditina Liturgia das Horas duma vida inteira!...


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